terça-feira, 12 de julho de 2005

Num momento tão confuso, você me vem com essa de ir embora...

Meus sentimentos em ebulição.
Meus sentimentos fervendo, fervendo; e no meio dessa ebulição, no meio dessa sublimação, de repente, de repente...

Minha mãe chorando, meu vô chorando, todos eles. A Tamy. O Clayton. O Ma, o Gabi e o Pedro irmãos de luto. E eu luto. "Não segure nada", diz a Rê me abraçando; às vezes eu posso ter muitas mães. E eu preciso. Saudades da Ada (olhos vermelhos), do Max (abraço forte), do Urso (sorrindo, a vida). Inúmeras flores. Filhos. A vida inteira.

Ainda não entra na minha cabeça.

Acho que entendi porque a morte é tão absurda e misteriosa. Ninguém consegue aceitar quando algo muda tão brusca e irreversivelmente a nossa vida. A gente não consegue entender, nem atinar com nada. Se eu acordar amanhã, posso achar que foi tudo um sonho. então vou olhar pro meu calendário, e saber que não. Ninguém consegue compreender que certas coisas não podem se repetir.

O que a Giu e a Carol vão dizer? E pensar e sentir?

O anel que tu me deste era ouro e se quebrou.

...

"Ela está na liberdade", disse a Vó (agora vocês já sabem qual), e eu pensei na liberdade e o sol e céu iluminado e azul e flores e árvores e o gramado e pensei que ela estava num rio no Pantanal. A liberdade, o que mais ela poderia querer?

...

Minha vó morreu ontem de manhã.

Uma porção de netos (nem todos de sangue). Uma borboleta voa livre. Heróis árabes atravessam o deserto dos meus pensamentos em camelas velozes brandindo cimitarras furiosas; um cavaleiro negro conquista vales e montanhas e pedras como as de Minas.

Na verdade a Vó era mineira.

Um lobo pela noite persegue e devora a caça que grita, Grita, GRITA! Seus dedinhos quadrados, suas histórias pra dormir e de repente, de repente...

E a Carminha? E o Tute? E os cachorros? E todos os que dependiam dela?

"Tem dias em que o mundo fica escuro
Tem dias em que o céu,
por mais que azul profundo,
Pára, estanca, acinza e fica mudo
Cála quieto.
Tem dias em que o vento não ousa balançar as àrvores
e elas apenas soluçam com a brisa, num murmúrio.
Tem dias em que a gente morre.
Todo dia gente morre.
Mas às vezes dói.
Dói muito mais.
Tem dias em que Deus,
por mais que céu e mundo,
é aquele que segura a mão
que estendemos.
E o tempo não corre."

Meus primeiros pensamentos quando olhei pela janela do hospital.
E a gente ri porque a vida continua. O Ennzo brincando com a vaca.

Eu não sei porque a Vovó estendeu a mão a Deus, deixando-nos no chão. Acho que ela sabia que a gente era forte. Que ela podia... Acho que ela nunca se importou tanto com ela mesma. Ela vivia para os outros. Acho que "alguém lá em cima sabe o que está fazendo. Tem que saber", disse minha mãe. Agora eu sei que a família vai estar em volta dela. Minha mãe sempre foi assim.

Meus olhos doem.

Essa onda não volta mais.

Meu coração não sabe onde bater; estou perdida. No meio dessa ebulição, dessa sublimação, alguma coisa me faz perder meu norte e me agarrar à Terra. Promessas, rezas, nada foi em vão.

A bem da verdade, minhas últimas rezas foram de negação do que o coração já sabia. Antes de sair de casa, o último pedido a Deus foi de que desse forças à minha mãe e aos meus tios para cuidar de minha vó e para sobreviver, a isso, a ela.

Dedos de demônio apertando minhas costelas no desejo de um pecado.

Uma canção de ninar.

Um chocolate; O Mágico de Oz, jogo do palito, xadrez, valsa, tudo o que ela me ensinou.

Um Pégaso voando no vento, tocando as músicas da rádio Eldorado.

Uma voz doce que eu nunca mais ouvirei, chamando nossos nomes...

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