domingo, 1 de março de 2015

Vestido

Minha mãe me perguntou casualmente se eu não usava mais vestido. Em tom de confirmação.
Minha resposta foi prolixa.
Nãoeunãousomais quasenuncaquerdizer eutenhoalgunsaindaeutentousardevezemquandoeuvistoummasseilá pareceesquisito eunãogostomaseutenhoummonteaindaàsvezeseuponhouns praficaremcasamas eunãosaiocomelesachofeiomeachofeionãoseiexplicarsó nãocompbinamaiscomigoachoesquisito nadacontra

A verborragia tentando muito não soar simplesmente como repúdio a todos os símbolos de feminilidade, tentando evadir o machismo, tentado evitar chegar no cerne da questão, tentando impedir que a resposta seja pontuada com um

"
por
quê?

"

Minha mãe faz perguntas cada vez mais evasivas, evitando questionar, evitando. Às vezes dá indiretas. Uma vez ela me aconselhou a pensar muito sobre isso. Eu me dei conta: "ela sabe". Percebi então que não é que minha mãe não acredite em mim, mas que ela não confie em mim. Ela acredita que eu acredito em certas coisas ou que eu sinto certas coisas sobre mim, coisas sobre as quais não conversamos, a menos de perguntas evasivas e respostas prolixas, mas ela não acredita que eu possa de fato saber essas coisas sem a ajuda de um profissional.

Uma vez ela me aconselhou a pensar seriamente sobre "essas coisas". Eu mantive uma expressão neutra, enquanto avaliava se valia a penas dizer que eu já pensava sobre essas coisas, todo o tempo, todos os dias, e que se eu não falava sobre essas coisas com ela era porque ela não me dava abertura pra isso. As coisas ficam mais difíceis depois que a gente se abre, depois que a gente está vulnerável. E assim ela parece que sabe cada vez menos sobre mim, não por não ouvir, não por não enxergar, mas pelo meu silêncio deliberado, pelo meu silêncio pontual e específico, que é a única forma de proteger a dualidade da conclusão a que meus questionamentos sempre me levam. Porque me parece me minha mãe acredita que a dualidade é um estado transitório, um estado de dúvida e falta de auto-conhecimento, que há uma dialética, e que um dia haverá uma síntese, que eu deixarei de ser muitas coisas para ser uma, e que essa uma será sólida, e simples, e compreensível, e inquestionável. E não é só minha mãe. Parece que há uma expectativa generalizada ao meu redor de que algum dia as pessoas saibam extamanete quem elas são, e que quem elas são seja facilmente descritível em categorias, rótulos, gêneros, filiações.

Minha resposta a isso é simplesmente: não.




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