segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Diálogo sintético sobre feminismo

--- Amor, o que é esse tal de feminismo do qual você tanto fala?
--- Feminismo é a luta das mulheres por direitos que os homens já têm, é a luta contra o machismo, por igualdade de gênero...
--- Ôpa, igualdade de gênero, eu também quero isso! Posso participar?
--- Claro! Quanto mais aliados, melhor!
--- Péra, "aliados"? Mas eu vou ser feminista também, vou lutar junto com você, por que você me chama meramente de "aliado"? Não é uma luta por igualdade?? Eu também quero a minha igualdade, quero poder fazer as coisas que as mulheres fazem...
--- Você quer fazer o que "as mulheres fazem"? Como o quê?
--- Ah, eu quero poder ir na praia só de sunga, usar saia quando tá quente, que as mulheres paguem a conta pra mim, essas coisas...
--- Ahn, sério? Porque o feminismo é mais sobre coisas como, sabe, poder sair sem mêdo de ser estuprada, conseguir emprego, conseguir viver sem depender de um homem, essas coisas...
--- Ah, mas eu também quero o fim do serviço militar obrigatório só pra homens, e que a taxa de morte por violência de homens diminua!
--- Hm, ok, mas essas não são as pautas do feminismo, sabe? Nós lutamos contra a opressão sobre mulheres que privilegia homens, e não contra a violência de homens sobre outros homens. Aliás o feminismo é justamente sobre parar de focar só nos problemas dos homens.
--- Ah. É? Puxa, achei que o feminismo era uma coisa mais ampla, mais abrangente. Pôxa, então não é a minha causa, esse feminismo não tá com nada. Não quero mais ser feminista não.

<baseado em alguns trechos repetidos freqüentemente de conversas reais. A síntese torna o diálogo um pouco exagerado>

7 comentários:

Utak disse...

A questao é: se você separa com o feminismo entre uma luta única e exclusivamente pelos direitos que as mulheres não tem (esses citados por você no diálogo), você não aborda at all o problema. Você faz cócegas no problema, e não tem nenhuma chance de avançar para efetivamente solucionar o problema. Acredito que se distanciar do "inimigo" não é muito prático numa luta política. Você tem que justamente abraçar os problemas que os argumentos e decisões do "inimigo" tem, mostrar como as consequências do machismo também afeta os homens, muito mais do que se discute, muito mais do que se imagina, mas muito menos do que as mulheres sofrem. Até porque, o machismo não afeta apenas as "mulheres". Afeta homens gays e afeminados, homens que não se enquadram no ideal de homem, homens que não são machistas, e principalmente os próprios homens que são machistas. Não é porque estes últimos surfam na onda que a onda não os afete. Criar uma comunidade que seja não-machista é muito eficiente. Abrir diálogo sobre o assunto é tambem eficiente. Criar uma richa entre machistas e feministas não é nem um pouco eficiente nem pedagógico; apenas atrasa o avanço do feminismo. A maior parte dos feminismos luta por uma igualdade de direitos e de valores entre todos, mulheres e homens; Eu entendo "o feminismo" querer abraçar as mulheres, nascer das mulheres e ser de mulheres para mulheres. Mas o movimento tem caminhar para - em um futuro - ser menos segregacionista e mais didático. “You have heard that it was said, ‘You shall love your neighbor and hate your enemy.’ But I say to you, Love your enemies and pray for those who persecute you, so that you may be sons of your Father who is in heaven. For he makes his sun rise on the evil and on the good, and sends rain on the just and on the unjust. For if you love those who love you, what reward do you have? Do not even the tax collectors do the same? And if you greet only your brothers, what more are you doing than others? Do not even the Gentiles do the same?" (Matthew 5:43-48) (odeio citar a bíblia, mas essa citação convém)
Não me odeie, não fique brava, mas eu quero discutir isso há muito tempo, e toda vez que eu inicio uma discussão feminista eu sou apedrejado com ódio, como se discordar de uma opinião de uma pessoa que de diz feminista me tornasse automaticamente machista.

Ozzer Seimsisk disse...

Eu discordo de você quando você diz que essa abordagem não é efetiva. Acho que a abordagem de proteger, abraçar e apoiar as vítimas da misoginia é efetiva, efetivamente mais efetiva que qualquer outro foco que eu consiga pensar. Mas não é minha função dizer como deve ser o trabalho de cada pessoa. Eu pessoalmente acho bom quando pensamos também em falar aos homens, quando fazemos mensagens direcionadas a vocês... Mas costuma ser desgastante, as respostas que recebemos costumam ser violentas. Algumas feministas insistem mais nisso, outras menos. Às vezes preferimos que toda pessoa possa se dizer feminista, às vezes temos o desgosto de ver pessoas usando esse nome para ser machistas... Com freqüência alguém tenta explicar passo a passo para algum machista que ele está sendo machista, e com freqüência a resposta é um jorro de machismo ácido na cara. É difícil de aguentar. Mas continuamos tentando, quando estamos de bom humor. Outras vezes julgamos mais eficiente responder na porrada. Acho que a porrada pode ser eficiente também. Felizmente, pessoas feministas podem decidir por si próprias quais serão seus métodos. Muitas se recusam a fazer parte de um movimento que exclua homens. Outras se recusam a fazer parte de um movimento que inclua homens. Outras, como eu, preferem transitar entre ambos conforme a necessidade, se é de racha-macho ou se é de educação.

De qualquer forma, acho que o tema que você está discutindo sequer é o do diálogo. O que eu queria apontar no diálogo é como alguns homens cis se decepcionam quando descobrem que um (não me sinto bem em dizer "o") feminismo não abordará problemas dos homens, e a partir dessa decepção resolvem abandonar o feminismo e até mesmo se colocar contra ele. Como se um movimento que não lute pelos homens fosse imediatamente irrelevante para eles. Eu adicionei em uma versão desse diálogo a frase final do homem (estereotípico) depois de algum tempo: "Hah! Essas feministas só pensam em si mesmas!". É isso que nos parece: que esse homem só se interessa por movimentos que digam respeito a ele, e por outro lado se recusa a aceitar um movimento que não pensa nele.

Ozzer Seimsisk disse...

Entenda, o gênero feminino foi moldado para apoiar e cuidar do homem, por séculos, enquanto o gênero masculino era moldado para tomar decisões para si e para sua família. Não estamos tão no futuro que não sintamos ainda o ranço desses moldes em nossos relacionamentos. Quando um homem cis decide dizer o que o feminismo DEVE ser, o que ele TEM que ser, o que ouvimos é o pai de família que, talvez até com intenções boas, quer tomar conta e guiar a família. Meu feminismo, enquanto eu puder escolher, não se limitará a um gênero, meu feminismo lutará sempre contra os gêneros... Mas por vezes eu participarei de eventos que excluem homens cis, quando nós acharmos que a participação de vocês não ajudará em nada (é claro que muitas vezes atrapalha). Na verdade, eu inclusive participarei de eventos que excluem homens cis e mulheres cis também, quando fôr o caso. E ocorrerão eventos dos quais eu não poderei participar também, por exemplo nos coletivos de mulheres lésbicas. Não faria o menor sentido eu participar de um coletivo desses, por mais que tenhamos alguns objetivos em comum. Mas eu talvez possa conhecer esses coletivos e até me aliar a um deles, no máximo.

O problema real não é que não haja coletivos feministas que incluem homens, porque há, e muitos. E muitos inclusive discutem como criar meninos, como lidar com homens enquanto homens, como agir enquanto homem... Mas toda vez que um coletivo que foca nos direitos específicos dos homens surge ele se torna anti-feminista e inclusive machista. É muito mais difícil e trabalhoso fazer um grupo feminista que aceite homens, porque ficam aparecendo homens reclamando do feminismo, querendo chegar lá e mudar completamente a pauta, homens que não concordam com as pautas daquele grupo e querendo fazer o próprio grupo, mas ao mesmo tempo querendo fazer isso com o apoio das pessoas que tavam lá com suas pautas específicas querendo fazer uma coisa e que não necessariamente querem fazer aquilo que o enésimo cara desse tipo falou... É muito difícil. E por que esses caras não se unem e fazem seu próprio grupo, com pessoas que concordem com eles e tudo o mais? Bom, será que foi assim que surgiu o movimento masculinista e afins?

Ozzer Seimsisk disse...

Anyway, se vc curte tanto o feminismo, bom, vc está em algum grupo feminista, pelo menos nas internets, ou melhor ainda se for ao vivo? Eu ainda tô com raiva daquele lance do "reich da buceta", não acho nada fácil de perdoar comparar feministas a nazistas, mas tenho certeza que você consegue achar coletivos por aí que te aceitem, desde que vc não entre com os pés na porta.

Utak disse...

Hm, certo. Vamos passo a passo:
1. Quando eu me referi ao Reich da buceta, eu estava me referindo a um certo tipo de feminista, que não se abre ao diálogo. Compreensivelmente, por ter tentando e tomado machismo ácido na cara toda vez, mas muitas vezes eu quis dialogar e levantar hipóteses, e qualquer hipótese que se opusesse ao que ela pensava ela me colocava como machista e chamava as amigas pra me apedrejar nos comentários do facebook.
2. Eu concordo e já me convenceram que eu não devo relacionar o nazismo ao feminismo, por mais escrota que seja a pessoa que esteja defendendo o feminismo, justamente porque uma maçã podre não estraga o saco de maçãs, e porque no geral as pessoas se referem ao feminismo como um todo como feminazi... embora eu esteja me referindo a um certo grupo de pessoas dentro do feminismo, que assim como está dentro dos debates comunistas e dos debates de direita e dos debates de racismo, não sabe entrar em diálogo e coloca a discussão em uma richa de dois valores, como se só existessem dois tipos de valores. A esses eu resolvi generalizar como Naziativistas: pessoas incapazes de abrir diálogo dentro de qualquer grupo de ativistas. De qualquer forma, eu não gosto mais de usar o termo e peço desculpas por tê-lo feito (embora exista algumas feministas que trabalham em misoginia pura e que querem que os homens sejam exterminados, como se os homens fossem culpados pelo machismo (essas provavelmente nunca discutiram com uma mulher machista)).
3. Não, não faço parte de nenhum grupo feminista específico, mais porque eu tenho preguiça de participar ativamente de debates de todos os gêneros, desde políticos, de greve, feministas ou sobre racismo. Eu já participei passivamente de alguns, e não tenho vontade de voltar. Entendo que pessoas que participam ativamente no geral não curtem pessoas como eu que não se engajam, mas eu realmente não me vejo no papel de ativista. Sou um teórico, judge me. :P

4. De qualquer forma sim, é verdade, há ainda muito a se avançar na inclusão de homens cis em debates feministas. Confesso que a maioria dos homens cis que conheço são muito idiotas e se encontram no grupo de homem que acha que se ele não for incluído, ou se não for o foco da discussão, ele não consegue participar e se recusa. Mas faz sentido, não faz? Quer dizer, já é difícil querer participar de um debate sobre um assunto que realmente afeta diretamente as pessoas, imagina um debate com o qual se sintam excluídos, ou fora de foco. Pessoas gostam de ser o foco das coisas, homens ou mulheres. Então, sim, talvez eu esteja errado em achar que o debate tenha que abranger os homens cis-h, até porque eles provavelmente não vão querer participar do grupo anyway.

5. Obrigado por não me apedrejar muito.

Ozzer Seimsisk disse...

Só queria dizer que

1. Usar "nazi" com esse sentido que vc usa(va, espero) não faz sentido, não vejo nenhuma semelhança entre essa "má vontade pra debater" que vc enxerga e qualquer coisa no nazismo. É cruel comparar ativistas que certamente teriam sido presos/torturados/assassinados pelo nazismo com nazistas, de qualquer forma.

2. Não consigo conceber como você pode fazer qualquer teorização sobre o feminismo sem observá-lo por dentro de coletivos. Sua visão externa está fadada a ser incompleta. Você não precisa discutir, mas precisa observar -- ou então lembre que sua visão será incompleta, e tome cuidado com sua fala.

3. De qualquer forma, se você é um teórico e não um ativista, entenda que suas opiniões sobre como o ativismo deve ser sempre soarão arrogantes, afinal, quem é você pra falar o que os outros devem fazer.

Utak disse...

Agreed.