domingo, 11 de março de 2012

Confissão do Dia: eu morro de mêdo de estupro.

E isso afeta a forma como eu ajo, penso, principalmente como eu me relaciono com homens. A chance de eu sair com um cara desconhecida é baixíssima, porque eu tenho mêdo. Eu sairia com uma mulher desconhecida, com uma chance um pouco maior. Eu até sairia com o tal cara, por pouco tempo, para um lugar movimentado e bem iluminado, onde teria muita gente ao nosso redor o tempo todo. Nada de cinema, nem mesmo jantar romântico. Sair de noite, só entre amigos. E eu não deixaria ele me pagar nada que não seja muito barato, porque tenho mêdo de que ele ache que está me comprando com dinheiro, e comece a exigir coisas de mim, e eu não quero ninguém sendo horrível comigo.

Eu acho que vou receber alguns comentários dizendo que eu não deveria agir assim, então me deixe explicar para essas pessoas: eu não gosto de me comportar assim, nem acho certo. Toda vez que eu percebo que estou agindo de certa forma apenas por mêdo, eu me sinto mal. Mas eu não mudo meu comportamento, porque o mêdo é real.

Eu não sei bem como cheguei a este tópico - eu estava andando pelos comentários sobre o Dia da Mulher que estão espalhados pela internet, e é claro que entrei em blogs de feministas, e tal e coisa. Dia da Mulher me deixa desconfortável, porque é um nome muito ruim. Não tem nada de especial em ser mulher, da mesma forma que não tem nada de especial em ser homem. E quando as pessoas dizem "feliz dia da mulher", elas não estão pensando em nada. Sério, em nada mesmo. É desconfortável. Talvez a melhor reação seja a sugerida pela Hug: responder com um "Feliz dia da Igualdade Entre os Sexos pra você também."

Bom, eu estava lendo essas coisas feministas e me lembrei de uma vez que eu tava saindo com um cara, fiquei com ele uma vez (numa praça de alimentação, à tarde, pelos critérios do primeiro parágrafo), achava ele legal, e aí teve uma semana em que ele me chamou pra jantar na casa dele e pra ir num show, ele pagando. Eu fiquei completamente apavorada, primeiro porque o show parecia que ia ser uns 300 reais (eu chequei no site), depois porque eu só conhecia o cara havia um mês, só tinha ficado com ele uma vez, e ele queria me levar pra casa! E se eu fosse pra casa dele, eu ia estar totalmente à mercê dele, e sabe-se lá o que ele ia querer de mim.

Toda vez que eu conto essa história pros meus amigos, eu digo que o cara me stalkeou, que ele era louco, eu faço ele parecer assustador o suficiente pra justificar o fato de eu ter cortado contato com ele o mais rápido possível. Às vezes eu ainda esbarro com ele na USP, e me esforço bastante pra evitar qualquer brecha pra ele vir falar comigo. Mas pensando bem, colocando as coisas em perspectiva, será que eu tinha tanta razão assim pra ficar apavorada? Ou é só que eu tenho mêdo de homens em geral?

Eu não acho que seja um mêdo totalmente injustificado, porque, embora eu não conheça ninguém que eu saiba que foi estuprado, eu tenho amigos que conhecem gente que que foi, e eu conheço bastante gente que já foi assediado de alguma forma, e, hey, eu já fui assediada, e bom, de modo geral as histórias que eu conheço não tem finais emocionantes em que os culpados são punidos e as vítimas são consoladas. Algumas, talvez a maioria delas, acabam com as vítimas se sentindo obrigadas a entender e perdoar e continuar amando os culpados até o fim das suas vidas; e ah, nunca confrontar ninguém, nunca contar pra ninguém, porque, sabe, não dá pra acabar com a reputação das pessoas desse jeito. Eu ouvi uma história (sobre uma amiga de uma amiga minha) em que a garota foi com uma turma na casa do cara e acabou se trancando num quarto pra se proteger dele, e ninguém mais mencionou o episódio por mais quatro anos, até a formatura, quando ele foi eleito orador da turma e uma das amigas da mulher, que estava lá no dia, ficou revoltada que alguém com esse background fosse eleito. A moral da história é que se ninguém conta nada, ninguém pode saber que ele tem esse background.

Então, sim, as histórias são reais e são horríveis e é muito difícil lidar com uma quando você fez parte dela, mesmo quando você racionalmente acredita que o cara não sabia o que estava fazendo e que você não deve ficar brava com ele (talvez principalmente nesse caso).

Mas não é só mêdo de assédio sexual, pra falar a verdade. Não é só mêdo de que o cara seja um criminoso, que ele vá te forçar a fazer coisas. Há também o mêdo de como ele vai te tratar. Eu tive uma conversa com uma amiga que eu admiro, na qual ela disse que às vezes queria ter feito sexo com menos gente, porque às vezes ela conhece um cara super legal, que se dá bem com ela em tudo, mas que, quando ouve O Número, começa a achar que ela é uma vadia e que ela não é boa o suficiente. Eu tentei convencê-la de que isso é só um sinal de que o cara na verdade não é uma pessoa legal, mas como fazer ela parar de se sentir mal, parar de sentir que ela não é boa? Eu, como muitas outras pessoas, simplesmente evito falar demais sobre mim, evito falar a verdade sobre mim e sobre o que eu acredito, quando estou com alguém que ainda não foi aprovado e carimbado como uma pessoa legal, digo, como uma pessoa respeitosa e que aceita que a gente seja o que a gente é. Então eu também tenho um pouco de mêdo de sair com gente que eu não conheço direito, porque sabe-se lá se o cara vai ser escroto e me fazer me sentir muito mal.

Por exemplo, esse cara que me chamou pra jantar, eu tive mêdo de ir na casa dele por vários motivos. Eu fiquei com mêdo de que ir na casa dele fosse ser interpretado com um sinal de que estávamos namorando... e eu nem me considerava como "ficando" com ele! Eu fiquei com mêdo de que se eu fosse na casa dele ele ia assumir que eu queria ficar com ele, e que se eu não me sentisse bem ali e mudasse de idéia, ele podia ficar puto. Ou pelo menos que a situação podia ficar muito constrangedora. E não estou nem falando ainda de sexo! E se eu tivesse vontade de beijar ele, mas não quisesse fazer sexo, e ele estivesse esperando por isso? Quer dizer, eu estaria na casa dele! Sem nada pra interromper ou distrair ou atrapalhar. Vai saber como ele ia interpretar, se eu aceitasse estar na casa dele. E se, por outro lado, o jantar fosse ótimo e o papo fluísse e no final eu quisesse fazer sexo? Será que isso não ia ser ainda pior? Será que ele ia me achar uma vadia, ou, por outro lado, será que ele ia achar que nós estávamos namorando?! (não, eu não sei o que me assusta mais). Enfim, eu sei que parece muita loucura, mas eu não exatamente me arrependo de ter fugido desse cara. Eu não conhecia ele bem o suficiente pra achar que ele não era um homem perigoso e que só ia me fazer mal. E ele mal me conhecia e já estava oferecendo pra me pagar um show e me chamando pra jantar na casa dele. Nós dois, sozinhos, de noite, num lugar estranho, sem ninguém ao redor pra me proteger. Acho que é uma situação assustadora mesmo. Sem contar que eu nunca teria coragem de contar pra ninguém de casa o que eu estaria fazendo.

A moral da história aqui é: quantas vezes eu já deixei de encontrar alguém, já deixei de chamar alguém pra sair, já deixei de me aproximar de alguém apenas por mêdo? Viver com essa redoma de mêdo em cima da gente faz com que a gente se limite, e só aceite rapazes "de boa família", ou o equivalente moderno que é ser amigo de algum amigo próximo. Eu só me sinto à vontade com gente que se dá bem com meus amigos, gente que ou eu apresentei pros amigos ou que me foi apresentada por eles. Eu só saio em encontro com alguém que acabei de conhecer se conheci esse alguém na casa de algum amigo, e olhe lá. Minhas opções são muito limitadas. Eu não pego homem em balada, a menos que seja conhecido. Eu não troco telefone, e quando eu troco eu não atendo depois. A única situação em que eu me libero pra me divertir, sem mêdo das conseqüências, é em festa lôca na minha casa ou na dos meus amigos. Mas mesmo assim, eu dificilmente pego homem a menos que seja amigo, e mesmo se fôr amigo só se o cara estiver exatamente no mesmo clima que eu. Os demais parecem todos muito assustadores. Parte do que eu quero dizer é que essa redoma de mêdo em cima da gente deve ser parte do que torna a vida sexual dos homens solteiros tão difícil.

Outra parte do que eu quero dizer é que isso tudo é opressor.


...

Eu fico me perguntando se da próxima vez que o Marcelo vier falar comigo eu não devia falar com ele e explicar porque eu fugi dele tão rapidamente... mas, nah, eu não teria coragem...

Pra falar a verdade, eu imagino que se eu não tivesse ficado tão assustada e se eu estivesse mais interessada nele, eu poderia ter proposto pra gente se encontrar em outro lugar. Eu poderia ter contornado a situação. Mas que tipo de cara te convida pra casa dele quando vocês mal se conhecem? Logo depois de você recusar ir no show? Enfim, eu fiquei assustada, e não pensei em alternativas. Não me arrependo, também. Só me incomodo com toda a situação, e o contexto. Só fico remoendo, como que essas coisas contecem comigo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Você é insegura. Você não tem medo de ser estuprada de fato, você só tem medo que a sua vontade ou o seu comportamento não condizam com o que é esperado de você. Você tem medo de se expor, ser estranha, ser incomum, aos olhos de um cara que vá te julgar por isso. Por isso só se relaciona com pessoas que você te conhecem a priori, e que você sabe que te aceitam.

Cacau =^.^= disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cacau =^.^= disse...

Lobz, eu super te entendo.
Eu tinha medo, mas de seres humanos em geral. Ainda tenho, na verdade.
A ponto de não saber lidar muito com contato fisico.
Eu conversei com umas pessoas, e aprendi a lidar melhor com isso.
Mas medo é medo, e não tem como se livrar dele pra sempre.
Faça o que você quiser fazer, não faça o que não quiser, e lembre que você é livre pra fazer isso. ^^