Eu fico nervosa porque não sei fazer algumas coisas. Muito nervosa. Meu /mundo está, não sei, chovendo em mim. Eu/ //olho ao redore, não sei , ão sei /o qu/e /fazer, e, que porra é essa de aparecerem barras em /tudo o que eu escrevo?
Por exemplo, eu gosto do Jack, meu personagem alegre, amigável e assassino do rpg, mas sinto cada vez mais que não tenho a força necessária para interpretá-lo. E de que adianta ter um bom personagem se não sei interpretá-lo? E de que adianta jogar se no fundo eu sempre me divirto mais com o que os outros fazem? Se nunca consigo realizar o que realmente quero? Se só depois percebo que deveria ter agido dessa ou daquela forma? Não me sinto uma jogadora de rpg, mais, não tenho vontade de fazer ficha. Me irrita isso. Hoje eu /estava pensando seriamente em começar a beber antes das sessões, para ver se eu começo a agir, não sei se melhor, mas pelo menos mais. Mas isso tudo é bem fútil . Não é?
Não sei como os outros blogueiros conseguem falar tanto de assuntos gerais se só os assuntos particulares me são sequer alcansáveis. Me pergunto coisas. As coisas que sei não me interessam. Talvez só o que me apavora me interesse. Tenho mêdo de perder o Jack, de transformá-lo num personagem vazio, sem futuro, que nunca muda.
E eu acho que eu nunca me irritaria com um personagem bom que fosse chato. Entende? Por ele ser bom. Se ele fosse ineteressante, eu ficaria interessada nele, e seria isso. Não me importa tanto o jogo. Me importa os personagens. Eu queria poder explorar mais esse lado dos personagens. Parece que num jogo de rpg o que importa mesmo é a história, não os personagens. Sei lá. Talvez eu nem goste de rpg, na verdade. Talvez eu só esteja aproveitando a mesa para ouvir algumas boas histórias. Se fosse para participar delas, eu faria tudo diferente.
Ou eu deveria fazer tudo diferente? Será que eu deveria fingir que estou numa história, jogando com meus próprios personagens? Será que deveria ser tão impulsiva e verdadeira quanto sou quando estou sozinha? Mesmo se isso me levasse à morte? Se eu adoro a morte, talvez fosse inclusive mais justo perder as estribeiras. Talvez fosse completamente justo eu correr grandes riscos.
Mas eu, jogadora, não adoro a morte.
Bem.
Talvez eu jogadora tenha que me render ao meu personagem.
palavra por palavra, procuro chegar, devagar, ao lugar de La Loba.
"O silêncio", disse o griot,"só é escuro no começo..."
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
A Morte (liberdade)
"Nós tínhamos essa idéia, e mesmo depois de tudo continuo achando que a liberdade é o mais fundamental para a formação de qualquer pessoa, inclusive a liberdade de morrer, sem esse risco não somos senhores, mas escravos."
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
A Velha da Pedra
Andei quatro dias para chegar a Vilania, e quando cheguei sentei na areia quante da praça principal e ali fiquei. Podia ver logo à frente a famosa pedreira onde Roder entrara para enfrentar o dragão, fechada agora pelos blocos de rocha que desabaram depois que o herói partiu. Conhecia tão bem aquelas pedras das histórias que encontrá-las frente a frente era como rever um amigo de quem se tem saudades. Levantei-me e andei em direção à pedreira, mas meu caminho foi interrompido por uma voz bonita mas cansada que vinha de uma velha em cima de uma pedra. "A caverna está fechada", disse a voz. Ela tinha cabelos prateados e muito longos, e vestia uma capa verde desbotada por cima de um vestido velho. Não estava olhando para mim, e sim para o horizonte. Seus olhos cinzentos pareciam estranhamente opacos. O rosto não era enrugado, mas era cheio de manchas. Senti uma imensa vontade de falar com ela. Não poderia ir à pedreira antes disso. Então eu disse a ela que já sabia que a caverna estaria fechada; que entretanto ainda queria ver o lugar onde o grande Roder havia matado um dragão.
Ela riu das minhas palavras. Riu sem olhar para mim, riu uma risada cheia, rude, velha, sem tirar os olhos do horizonte. "Está procurando no lugar errado", ela disse, com a voz melodiosa quase num sussurro. "Aqui nenhum dragão morreu", ela disse. "Vá embora", ela disse, jogando os cabelos sobre os ombros.
Eu queria ir em frente mas não conseguia me afastar daquela mulher. Enfeitiçado, me ofereci para contar-lhe a maior história de todas, a história dos sete dragões de Roder e da salvação do mundo. A mulher explodiu numa risada que a derrubou da pedra, e caiu graciosamente no chão diante de mim. Agora ela estava de pé, os olhos muito abertos olhando nos meus olhos, um sorriso brincando nos lábios, e naquele momento seu feitiço sobre mim a tornou a mulher mais bela que já existiu. E então ela disse:
"Não. Deixa que eu te conto a história do grande herói, menino."
Ela riu das minhas palavras. Riu sem olhar para mim, riu uma risada cheia, rude, velha, sem tirar os olhos do horizonte. "Está procurando no lugar errado", ela disse, com a voz melodiosa quase num sussurro. "Aqui nenhum dragão morreu", ela disse. "Vá embora", ela disse, jogando os cabelos sobre os ombros.
Eu queria ir em frente mas não conseguia me afastar daquela mulher. Enfeitiçado, me ofereci para contar-lhe a maior história de todas, a história dos sete dragões de Roder e da salvação do mundo. A mulher explodiu numa risada que a derrubou da pedra, e caiu graciosamente no chão diante de mim. Agora ela estava de pé, os olhos muito abertos olhando nos meus olhos, um sorriso brincando nos lábios, e naquele momento seu feitiço sobre mim a tornou a mulher mais bela que já existiu. E então ela disse:
"Não. Deixa que eu te conto a história do grande herói, menino."
terça-feira, 4 de agosto de 2009
A Morte (II)
(ou: a morte dos ritos)
Se fosse Jack, e não eu, naquele dia, teria ficado provavelmente louco e destruído tudo o que seus braços humanos pudessem. Se fosse a Lôhba, não eu, teria engolido o cemitério inteiro com o poder dos diamantes que purificam. Adulta, a Lôba teria convocado as plantas a consumirem toda aquela parte da cidade. Esse era o poder que eu mais queria ter.
Mas não era um personagem, porque não era ficção; mas era tão incrível quanto se fosse. Apenas mais estúpido. Menos significado.
Em São Paulo, quando uma pessoa morre, chamam-se os familiares e os familiares chamam os amigos. Todos se encontram no lugar da morte, vestindo as roupas de sempre, e falando coisas triviais como se fosse um dia trivial. O corpo é lavado e vestido por membros da comunidade que se dedicam a isso ou pelos familiares mais próximos. Vestem-no com suas roupas favoritas ou com roupas de festa, como a criar um personagem no qual fixar a imagem do morto. Escolhem um caixão entre os vários produzidos por outros membros dedicados da comunidade. Deitam o corpo, vestido e perfumado, dentro dele, e o cobrem com flores e véus, e o rodeiam com conjuntos enormes de flores com faixas onde estão pintadas as frases tradicionais. Alguns se despedem do morto beijando sua testa, outros o evitam. Põe-se a tampa no caixão e se a lacra com sete chaves, para evitar que algum dia seja aberta. Acredita-se que o morto está ali naquele corpo, que deve dormir seu sono eterno junto à sua família, e que deve dormir lacrado, trancado, cimentado, sob a terra. Guardemos os mortos. Temamos os mortos. Um grupo de pedreiros carrega o caixão sobre um veículo primitivo de rodas e tubos de ferro, pelas ruas da cidade miniatura, entre as plaquetas de bronze, entre caixas de pedra, até a que tem o nome da sua família. Abrem uma porta minúscula na caixa de pedra. Um pedreiro desce, joga para fora as ferramentas, recebe dos outros o caixão, eincaixa-o numa prateleira, pega de volta a colher-de-pedreiro, recebe uma porção de cimento, uma porção de tijolos. Outro pedreiro entra, juntos os dois controem uma parede entre o morto e os parentes junto aos quais ele deve permanecer. Conversam enquanto trabalham, sobre o trabalho, o cimento, a chuva. Quando terminam, devolvem para o túmulo as caixas onde estão os ossos da família. Saem e fecham a porta. Cumprimentam os familiares e vão embora. Apenas mais um dia de trabalho.
Existe um velho mito Ibo segundo o qual o Grande Espírito, Chuku, manda o cachorro dizer aos homens como reviver os que morrem. Porém o cachorro se distrai pelo caminho, e Chuku envia então o carneiro para passar a mensagem. O carneiro diz aos homens para enterrar os mortos, e é isso que os homens fazem. Mas o carneiro havia confundido a mensagem. Quando o cachorro chega, diz que o corpo de um homem morto deve ser deitado sobre a terra e coberto com cinzas, e então ele reviverá. Os homens não acreditam porque acreditaram no carneiro. E assim os homens conhecem a morte.
Nunca entendi porque os Ibo, que conheciam a lenda, não espalharam a mensagem verdadeira do cachorro, por que continuaram enterrando seus mortos e não os cobriram com cinzas. De modo geral nunca entendi a idéia de sepultar os mortos, de guardá-los sob a terra. Uma grande cidade de mortos. Pra mim é um grande mistério.
Por via das dúvidas, quando eu morrer, não me enterrem. Não guardem meu corpo - se quiserem, destruam-no.
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
A Morte (I)
(ou: descobri que odeio cemitérios)
Na região de Canzara os ritos fúnebres sempre foram levados muito a sério. Quando uma pessoa morre, parece que até o ar muda subitamente de cheiro. A notícia se espalha como sementeira alada, corre no vento, e todos os que ficam sabendo vestem imediatamente o manto amarelo de couriú, que em um dia se alaranja, em dois se avermelha, em três se amarronza, em quatro anegra. Assim os campos de Canzara vão se colorindo gradualmente, de dentro pra fora, e ao mesmo tempo de dentro pra fora vão perdendo a cor.
Durante uma semana cada pessoa age de acordo com as regras do couriú: os que vestem o manto amarelo lavam a casa, as roupas e os cabelos, não podem comer e também não podem falar; os de manto laranja comem pão-de-frango e folha de canhacheira lambida no fogo de vela (é o dia favorito de todos), passam o dia cantando ou rezando, e dependendo da lua têm que cortar os cabelos; os de vermelho pintam o corpo, saem de casa com lanças e só podem comer o que puderem matar; os de marrom quebram suas lanças e se alimentam de cascas de árvores, raízes, folhas e flores, se houverem; os de negro se banham na lama e voltam para casa, onde, depois do último canto, voltam às suas vidas normais. Poucos dias depois o couriú se desprende do manto e só aí as pessoas param de usá-lo. Dizem que é o sinal de que o mundo pode continuar como era antes.
As cores do couriú regem também a preparação do corpo. Os mais próximos do morto clamam para si, através dos versos tradicionais, os deveres para com o corpo. Quando é necessário, o resto da comunidade executa as regras do couriú no lugar dessas pessoas, que têm deveres diferentes. No dia amarelo, é preciso lavar o corpo e preparar a madeira para o caixão. A madeira precisa ser de três árvores diferentes, escolhidas pela primeira pessoa. No dia laranja, usando velas laranjas, deve-se queimar os cabelos e todos os pêlos do morto e preparar as tintas para o caixão. As tintas também devem ser feitas com três pigmentos diferentes, escolhidos por uma segunda pessoa. No dia vermelho, enquanto todos os outros deixam suas casas, os preparadores pintam cada milímetro de pele do corpo e constroem o caixão com todos os cuidados. No dia marrom, ainda mais sozinhos, os preparadores terminam os detalhes finais do caixão, cobrem-no de pinturas, forram-no com terra, põe o corpo dentro dele e o fecham com sete fechos. Depois limpam a bagunça, a si mesmos, uns aos outros. Esperam sozinhos pela chegada dos outros. Choram, talvez.
No dia negro todos voltam para a cerimônia da morte. Voltam cobertos de lama, vestindo mantos negros, famintos e ferozes. Nos outros lugares esse é um dia tranquilo em que tudo volta ao normal assim que a lama se dissolve na água do banho, mas, aqui, onde um homem morreu, é um dia muito estranho. Das sombras das casas surge um grupo de homens (?) vestidos de preto com máscaras pretas de feras. Não se vê nenhuma parte de seus corpos, e ninguém se aproxima por causa do mêdo e do cheiro de morte. Ninguém diz nada: eles levantam o caixão pintado e carregam-no até um lugar vazio decidido por eles, enquanto os outros seguem, silenciosos. Pousam o caixão no chão. Tiram de dentro do manto armas colossais --- machado, facão, picareta, foice, martelo, enxada, forjados, polidos e afiados para serem grandes, negros e brutais. Com um guincho de fúria o primeiro machado desce sobre o caixão dividindo-o no meio, seguido pelo urro da picaretada, pelo estrondo do martelo que lança pedaços de madeira sobre os demais; a comunidade urra, recua, se excita e se assusta, as lâminas sobem e descem, as feras gritam e rugem e saltam sobre o corpo enquanto despedaçam-no com sua fúria, o camunidade grita e canta os cantos de morte, de liberdade, de mêdo, a carne, a terra e a madeira voam, a fúria e a morte voam, os ossos se partem junto com as tábuas, e quando acaba as feras rugem levantando as armas e a comunidade pula sobre os restos (carne osso madeira terra tinta) e os agarra, os disputa, cada um ansioso por enterrar um pedaço, o maior, mais fundo.
De repente a comunidade se dispersa. Banho, comida, a vida segue em frente. As feras já desapareceram faz tempo. As pessoas estão cansadas. A terra mexida e novamente vazia (ao menos na superfície) ficará abandonada até que couriú se desprenda das nossas roupas. Então, tudo será como sempre foi.
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