"Seus olhares se encontraram através da superfície da água, que era como um espelho..."
Preciso parar. Desistir. Abandonar.
Preciso enfrentar a verdade e a solidão, se pá.
Mas aqui é como um poço muito profundo que eu cavo, cavo e não chega a lugar nenhum. E continuo cavando. Cavo quando estou feliz para que a água se torne mais funda. Cavo quando a água se esvai para procurar água. Quando cavo às vezes encontro água e às vezes permito que a água se esvaia. Fico sozinha às vezes. no fundo do poço, pensando.
Às vezes olho para cima, e é pior. Vejo tudo de baixo. As camadas de terra que atravessei. Detesto sentir e lembrar tudo aquilo, que antes era tão importante e agora é tão vazio. Não estou mais nas profundezas. Não há água no fundo do poço. Quero me distanciar de tudo aquilo e continuo cavando. Quero encontrar água e nela mergulhar.
O mundo aqui é úmido e escuro. Continuo cavando para baixo mas não percebo se me desvio, se sem querer estou cavando mais para a direita ou para a esquerda. Não tenho consciência do caminho que percorri, e de nada adianta.
Grito às vezes. Mas não consigo ouvir a resposta. Quando encontro algo enterrado, jogo-o para fora do poço, para mostrar aos que estão lá em cima, ou deveriam estar. Mas imagino que não haja ninguém lá em cima (talvez todos estejam dentro de seus próprios poços) porque os objetos curiosos se acumulam ao redor da abertura formando uma muralha de abandono ao meu redor.
Quero sair. Quero sair. Tento escalar as paredes, mas dói terrivelmente voltar pelo caminho que percorri. O cheiro das camadas de terra que um dia escavei me dá náuseas, e sempre acabo caindo de volta no fundo do poço. E quando caio o desespero me invade e preciso cavar, preciso cavar, e quanto mais cavo, mais fundo fico, mais longe. Não sei para onde estou indo, e a escuridão é cada vez maior. O pedaço de céu que consigo enxergar é cada vez mais estreito, e às vezes, à noite, chego a duvidar de sua existência. Quero sair, quero escapar; mas nenhum caminho é possível.
Preciso parar.
Preciso esquecer.
Quem sabe se eu fechar os olhos e realmente acreditar que nada disto existe;
quem sabe se eu realmente abandonar essa existência e parar de acreditar em tudo que aprisiona e que dá mêdo;
quem sabe? Talvez seja possível escapar.
Talvez todo o cenário desapareça: a terra úmida, com suas camadas; o poço onde não há mais água; as pilhas de coisas lá fora que pareciam legais, mas a que ninguém deu bola, e que se tornaram paredes também. Se tudo desaparecer, talvez eu alcance aquele pedacinho de céu que consigo enxergar aqui de baixo.
Preciso abandonar.