Havia uma floresta densa, escura, onde inúmeras orquídeas e cipós e bromélias coloridas cresciam sobre grossos troncos de árvores velhas, e jovens palmeiras atravessavam as copas em busca do sol. O solo era úmido e cheio de vida em constante transformação, folhas secas se desfazendo e plântulas brotando e raízes se estendendo e cobrindo o início dos muros antigos de um pequeno forte de pedra, quadrado e sólido e coberto de musgo desde o portão baixo até desgastadas almeias. Ali perto, num galho retorcido, perto de um ninho vazio, pousou a diminuta rainha que chamo de Dragoa-Dourada. Vinda escapada de uma família controladora num reino deconectado, a fada-feiticeira, nessa forma minúscula de inseto-fada, viajara em busca de conhecimento, poder e uma base de operações. A floresta de Galilud e o pequeno forte abandonado serviriam aos seus propósitos, cheia que era a floresta de plantas e bichos e coisas diversas e interessantes. Em poucas horas arrumou sua casa -- a princípio quase um acampamento, enquanto as maravilhas da floresta chamavam sua atenção e impediam que se concentrasse em fazer do forte um castelo. Passava dias fora perseguindo ora um rebanho de capivaras, ora uma correição, ou então tentando estimar até onde iam as raízes de determinada árvore enorme, habitada por certa espécie de vagalumes que às vezes pareciam segui-la, atraídos por sua magia que se assemelhava à deles; quando voltava, lembrava-se de súbito de suas obrigações reais, e se dedicava a inspecionar a estrutura das paredes de pedra, ou a reconstruir o portão apodrecido, ou a mobiliar o interior do forte para que finalmente parecesse um castelo digno da dona daquelas terras. Quando o forte finalmente começava a parecer com um castelo (bandeiras hasteadas, tapeçarias penduradas, lustre aceso, portão instalado), a Rainha também já havia explorado em todas as direções vários quilômetros ao redor de sua nova casa, e alguns meses haviam se passado. A Rainha começou a sentir falta de companhia, não o tipo de companhia que os ratos e as minhocas lhe faziam, mas companhia falante, com quem conversar sobre todas as suas descobertas. Sendo uma mulher de ação, a rainha convocou uma montaria e partiu em uma direção qualquer, procurando por sinais de gente.
Mais alguns meses depois, a rainha Dragão-Dourado reapareceu em suas terras acompanhada de um homem, que acontecia de ser anão e medir apenas um metro e doze centímetros, e que vinha com seu cavalo ser o esposo da rainha e o cuidador do castelo. Para uma melhor relação com seu marido, a Rainha passou a usar uma forma de maior tamanho, ficando inclusive vários centímetros maior do que ele (na verdade, ela era uma rainha bastante alta). Juntos eles passeavam pela floresta, conversando sobre as árvores e os bichos, discutindo as antigas descobertas da Rainha e as novas descobertas que o marido e os outros novos habitantes que iam chegando observavam, coisas que haviam escapado ao primeiro olhar. Também faziam jantares, luais e bailes, quando não se reuniam apenas para trocar histórias, que a Rainha adorava ouvir, pois lhe ensinavam sobre todo o mundo que ela ainda não visitara. Nenhum deles, porém, estudava a Magia, e aos poucos a Rainha decidiu que o que ela queria era conhecer os grandes magos e aprender do mundo todos os feitiços. A dificuldade era que, já naquela época, os magos todos eram muito desconfiados uns dos outros, e ciumentos de seus conhecimentos, e se recusavam a compartilhar o que aprendiam a menos que fossem ganhar qualquer coisa com isso. A Rainha tinha apenas seu reino pequeno, e na verdade nada a oferecer a nenhum mago poderoso. Ficou sabendo, porém, que num reino vizinho havia uma rainha muito, muito influente, jovem e rica, com grande potencial, que tinha o amor e o respeito de todos, e de alguma forma conseguira convencer alguns dos maiores magos a lhe mostrarem seus talentos. A rainha Dragão ficou empolgada, mas se desesperou ao ouvir que esse reino vizinho também abominava feitiços e feiticeiras e toda forma de fada ou bruxa como ela mesma. Sabendo-se incapaz de se passar como maga, e muito pouco nobre para acompanhar a outra rainha, a Rainha Dragão elaborou um plano engenhoso: enviaria seu marido em seu cavalo ao o rico reino vizinho para oferecer de presente à jovem rainha um belíssimo e muito delicado colar dourado, de um ouro que reluzia em uma gama de cores, e cuja forma sugeria um dragão com chifres pontudos e uma longa cauda. O ponto chave do plano era que o colar de dragão na verdade era a própria Rainha Dragão transformada em dragão, e depois em colar - e enquanto a outra rainha a usasse em seu pescoço, a Rainha Dragão poderia ouvir todas as conversas que ela tivesse, e poderia aprender tudo sobre o reino vizinho, e outros reinos além, e todas as magias que todos os magos lhes mostrassem, sem temer ser queimada por feitiçaria.
Assim, seu marido partiu, com um pequeno séquito, e chegou sem incidentes ao reino vizinho, onde ocorreu uma pequena festa para apresentar hospitalidade aos viajantes. Porém, enquanto as belezas do castelo eram apresentadas aos hóspedes, surgiu um batalhão de monstros voadores, inimigos vindos de um país mais além, recomeçando uma guerra em um momento de despreparo. Começou uma batalha. Os monstros atacaram justamente o rei, a rainha e seus nobres mais próximos, e eles se defenderam como puderam, mas seus soldados mais treinados estavam espalhados pelas muralhas, e não conseguiam chegar para ajudar, pois os inimigos soltavam bafos de fogo que mantinham todos à distância. Pois então no meio da batalha um grande clarão cegou a todos por um instante, e depois, um grande dragão, com escamas douradas que brilhavam em muitas cores, surgiu. O dragão, ou devo dizer, dragoa, rugiu e cuspiu fogo e desorganizou a tropa inimiga, fazendo com que os monstros se desesperassem e batessem em retirada. A dragoa fez que ia perseguir os monstros, cuspiu mais um jato de fogo dourado, e então mais um clarão colorido, e de repente surgiu na destrambelhada multidão de costesões, hóspedes e soldados uma hóspede nova, estrangeira, alta, que de repente estava vestida com roupas muito comuns e sorria meio desconfortável, tentando desviar a atenção e parecer tão comum que ninguém jamais a confundiria com uma feiticeira! No meio da confusão, ela conseguiu se disfarçar por um tempo, conversar com algumas pessoas, e conforme as coisas iam se organizando, até trocar cumprimentos desajeitados com a outra rainha, que ainda estava tentando entender o que se passara. Porém aos poucos o grupo de pessoas foi se dando conta de que a estranha mulher não estivera ali um segundo antes, e uma suspeita foi se alastrando. A sorte foi que a essa altura a Rainha Dragão já conseguira recompôr suas magias e reencontrar seu marido, e assim, sutilmente, ela passou por trás de algumas pessoas e -- desapareceu. E de novo seu marido tinha um presente para oferecer à sua anfitriã, quando ela se recompusesse. Dada a confusão e a vergonha que era ter seus hóspedes atacados, a rainha aceitou o presente com exagerada gratidão, prometendo nunca tirá-lo do pescoço, em nome de uma prolongada amizade entre os reinos. Assim o marido da rainha Dragão voltou para casa trazendo alguns presentes e transformado temporariamente no novo rei do castelo de Galilud, e como novo Rei ele cuidou do castelo, das pessoas, dos bichos, das bromélias e das árvores por vários bons anos (ainda que um pouco solitários em alguns momentos) enquanto sua Rainha presenciava encontros e cerimônias, viagens diplomáticas e visitas de lazer, e, ainda mais importante, conferências com magos de todos os lugares, que lhes mostravam segredos e maravilhas que nenhum outro mago na terra haveria de ver.