sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Bissexualidade

(baseado, sem pretensões de fidelidade, em coisas ditas em conversas reais ou imaginárias - às vezes mais de uma vez)

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— Acho que não dá pra uma pessoa ir na balada e querer pegar "qualquer um". Ou você está procurando homem, ou mulher. Mesmo um bissexual, tem dias que está hétero, dias que está gay.
— Mas você não é bissexual, nem conhece alguém que seja, certo?
— Não. Mas só não faz sentido! Querer ficar com mulher é totalmente diferente de querer ficar com homem!
— Eu fico irritada com essa gente que se diz bissexual. Não existe isso de gostar "tanto de homem quanto de mulher". Todo mundo tem uma preferência.
— Mas e as pessoas que de fato gostam de homem mas de vez em quando pegam mulher, por exemplo?
— Ah, mas isso não faz de você bissexual. Você gosta de homem, você é hétero, pegar mulher de vez em quando não muda isso. Quem diz que é bissexual tá querendo ficar em cima do muro, não quer admitir pra si mesmo e pros outros que tem uma orientação sim, ah, me poupe! Se admite, pô.
— Mas, péraí, só porque tem uma preferência então não...
— Péra, deixa eu entender, eu tô no meio de um monte de gente que se acha bissexual, né?

— Se você é gay mas fica insistindo em ter namoros hétero, você está negando os seus desejos homossexuais? Você prejudica a sua vida com isso?
— Bom, o estudo aponta a existência de alguns caras casados com mulher que tinham uma certa ereção com pornô de mulher, mas a reação era muito maior com pornô gay. Provavelmente eles eram gays enrustidos, que meio que "aprenderam" a se excitar com mulher pra se encaixarem na sociedade.
— Se você escolhe um lado e admite a sua, ham, a sua "monossexualidade", você está negando os seus desejos em relação ao outro sexo?
— Nenhum estudo encontrou bissexuais de verdade! As pessoas precisam parar de se enganar e fingir que existe um meio termo! Essa é uma falácia danosa para a nossa causa. É preciso que as pessoas entendam que homossexualidade é genético e definitivo, e que não existe cura nem meia cura. Viado é viado e fancha é fancha, ponto!
— Mas, pô, isso não é motivo pra ficar enchendo o saco dela e chamando ela de fanchona o tempo todo. Ela está meio na dúvida, deixa ela.
— Mas é claro que é motivo. É só olhar pra ela pra saber que ela é sapata, e essa história de ficar em dúvida é uma grande mentira. Ela precisa aceitar o que ela é.

— Mas e se eu não quiser aceitar o que eu sou? Como fica?
— Vai ver um psicólogo, vai.

— Quando você se descobriu gay?
— Ah, quando eu era pequeno eu já era gay. Eu achava que homem combinava com homem, e mulher com mulher.
— Eu descobri na faculdade. Passei anos me irritando com as pessoas que me chamavam de gay. Cheguei a brigar feio com uma amiga, depois a gente voltou a se falar quando eu saí do armário.
— Eu tinha uma namorada com quem eu me dava super bem e fazia um monte de sexo, mas um dia eu vi um cara gostoso e senti tesão... Hoje em dia eu nem tenho mais vontade de ficar com mulher, porque homem é tão melhor!
— Meu ex-namorado agora namora um homem.
— E como é pra você?
— Eu acho que não faz muita diferença, pra mim. É a vida pessoal dele, agora, e não muda nada do que aconteceu entre nós. Não explica nada.
— A ex-namorada da minha amiga está namorando um homem, também.
— Então ela não era gay, hem?
— Eu disse que ela era hétero! Mulher na adolescência faz umas experiências...
— Agora, a sua amiga, essa sim é sapatão, hem?
— É só olhar pra ela pra saber.
— É engraçado é que tem gente que não tem gaydar, né? Outro dia virou mó bochicho no escritório sobre a chefe, e eu disse de cara: "É que ela é lésbica, né?". Todo mundo tava super surpreso, todo mundo ficou "mas como você sabe???". Ah, vá.
— É engraçado que dá pra perceber mesmo quando a própria pessoa ainda não sabe.
— Eu me pergunto isso às vezes, se alguém olha pra você e diz que você é gay, isso quer dizer que você é mesmo? E se diz que você é hétero?

— Quando você começou a se considerar bi?
— Assim que eu parei pra pensar no assunto, uai. Eu era adolescente e eu gostava tanto de meninos quanto de meninas.
— Mas você gostava mesmo dos meninos tanto quanto das meninas? Você se apaixonava por meninos?
— Hmm, acho que eu só me apaixonei por meninas... Mas eu gostava bastante dos homens também. Não era a mesma coisa, mas nunca me ocorreu me considerar hétero.
— Mas você já teve experiência com homem?
— Já.
— E gostou?
— Foi muito bom.
— Eu já peguei homem, já dei o cu, foi bom, mas acho que eu não sou gay. Não tenho envolvimento emocional com homem.
— Eu gosto de ficar com mulher, mas eu sou bem hétero. Eu não entendo como você que gosta muito mais de pica do que eu ainda acha que é bi.
— É verdade, homem tem pica, mas, por outro lado, mulher tem peito!
— E cintura, não dá pra esquecer a cintura.
— Mas homem tem peito de homem. E barba. E mulher às vezes tem muita bochecha.
— Acho que eu não conseguiria ficar com uma mulher. Aquela vez que a gente quase fez um ménage, eu pensei "não, tem outra buceta aqui!"
— Você diz isso mas no dia seguinte pega uma mina e tem sonhos eróticos com outra. Aliás, eu só tenho sonhos eróticos com mulheres. Os seus sonhos definem a sua sexualidade?
— Outro dia eu tive um sonho super bizarro com você. Eu estava beijando você, mas você tinha um pinto!
— Você não está vendo, mas eu estava agora mesmo desenhando um pinto. Eu tinha certeza de que eu ia ter um pinto no seu sonho.
— Isso quer dizer que eu sou gay?
— Bom, você sente atração sexual por homens?
— Não. Mas e as pessoas que demoraram anos pra entender que eram gays?
— Você quer ser gay?
— Talvez eu precise ser gay.
— Se eu fosse gay eu ia ter muito mais felicidade sexual.
— Mas você acha os homens horrendos!
— Bom, por isso que eu queria ser gay, mas não sou. E eu não acho todos os homens horrendos. É só que eles são tão peludos... e grandes... e feios. Mas eu pegava o Justin Bieber, ele é quase uma menina. E bonitinha.
— Nossa, que machista!
— Machista por quê?
— Super machista essa atitude de "eu nunca ia pegar nenhum homem, e mesmo se eu pegasse um homem, tinha que ser um homem que é quase uma mulher"! É pura pose de machão.
— Mas eu só estou dizendo que o Justin Bieber não é feio...
— Ah, você só está atestando a sua masculinidade! Eu, se eu pegasse uma mulher, eu ia querer que fosse uma mulher de verdade, feminina, affe!
— Mas você não ia pegar uma mulher...
— Não, mas se eu pegasse, eu não ia pegar uma mulher que parece um homem só pra deixar claro que eu sou hétero.
— Então se eu gosto de mulheres masculinas eu sou gay?
— E se eu gosto de homens femininos? Os caras que gostam de travesti são hétero?
— Outro dia eu gamei numa mina que parecia muito com um cara que eu peguei um tempo atrás. Estou me sentindo culpada.
— Você sempre puxa pro pessoal!
— Bom, pra mim esse assunto é muito pessoal. Você acha que os meus sonhos definem a sua sexualidade?
— Por que você não define a sua sexualidade por com quem você faz sexo?
— Um garoto virgem de treze anos não pode ser gay?
— Não dá pra confiar na sexualidade de adolescentes, eles fazem experiências...
— Mas em que idade você pode começar a confiar?
— Eu fico meio assustado que isso tenha aparecido pra mim tão tarde. Sabe, eu não sou um adolescente. Todos os meus amigos que viraram gays ou bis se descobriram até uns 20 anos de idade. Será que eu estava reprimindo isso esse tempo todo?
— Bom, você sabe que eu não acredito muito em monossexualidade.

— Mãe, eu acho que eu sou bissexual.
— ...Por que você acha isso?
— Por que eu me sinto muito atraída por mulheres.
— Mas você já ficou com uma mulher?
— Já.
— Mas você nunca namorou uma mulher.
— ...Bom, eu sempre estive namorando com homens.
— Ah, filha, você é jovem, jovens fazem experiências. Quando eu era adolescente eu também me sentia muito atraída por mulheres, mas eu não sou "bissexual". Eu namorei com homens e casei com um homem, pronto!
— ...

— Eu queria ter tido essa sua confiança, de saber desde sempre que era assim mesmo.
— Mas deve ser mó legal ter essa revelação, "Oh, eu sou gay!". Imagina?

— E você?
— Eu sempre achei que eu sempre tinha sido confusa mesmo... Mas eu encontrei uns escritos antigos ontem. Parece que eu sempre tive grandes sonhos de casamento, e eu só pensava em homens. Homens altos de cabelos negros. Homens baixos, fortes e ruivos. Pra falar a verdade eu só sabia lidar com homens, desde que eu era pequena. Eu queria ser um homem, e eu até gostaria de ser um homem gay. E eu sempre me apaixonava por homens... Mas pensando bem, tinha aquela menina no colegial que tinha olhos dourados maravilhosos.... Um personagem meu, que era namorado da protagonista, tinha olhos dourados de águia como os dela. Ela chamava Júlia. Eu passava metade da aula olhando pra ela e pensando em como começar a conversa. Mas eu não chamava de amor.
— Mas você não era perdidamente apaixonada por aquele menino bonito?
— Sim, sim, por ele, por aquele outro, pelo meu melhor amigo que era apaixonado pelo meu irmão, e que chegou a achar que estava apaixonado por mim. No terceiro ano eu encontrei um garoto de olhos verdes maravilhoso, ficava o dia todo olhando pra ele e... pensando em como começar a conversa. Depois de alguns meses eu comecei a chamar de amor.
— E a Júlia?
— Encontrei ela outro dia, ela me tratou como uma amiga. Fiquei meio fascinada com o fato de que ela gostava de mim. Eu não fazia muitas amigas no colegial, me sentia incapaz de falar com mulheres. Me pergunto se o Pedro também me trataria como uma amiga.

— Você viu aquele novo estudo, com movimento de pupila?
— Ele não usa medição de engrossamento de pênis? Estou ouvindo.
— Inclusive mede mulheres também. Aí está a graça — ele meio que determinou que a maior parte das mulheres hétero têm reações a mulheres bonitas assim como a homens. E encontrou homens bissexuais também.
— Legal. Os bissexuais vão ficar felizes, mas os nossos amigos gays nem vão acreditar muito.
— Bom, é claro que nenhum desses estudo é muito confiável. Mas pelo menos a gente tem algo pra dizer.

— Como foi a conversa com a sua mãe afinal?
— Ela não acreditou. Foi bem menos assustador do que a conversa sobre namoro aberto, mas daquela vez ela foi tão legal, e dessa vez eu fiquei um pouco frustrada.
— Você quer ouvir como foi a minha conversa com a minha mãe? Qualquer uma das oito?
— Eu sei, eu sei, eu tenho a melhor mãe do mundo e eu não tenho um problema de verdade. É só que eu queria poder me sentir eu mesma, sabe?
— Mas você está negando a si mesma. Você quer ser algo que você não é.
— No começo eu achei que podia ser isso, porque eu queria muito ser bi, e porque eu queria fazer parte da comunidade gay (ou do que quer que eles se chamem agora, foda-se).
— Péra, você acha que pra fazer parte da luta você tem que ser gay?
— Eu acho que sim. Eu sei que não devia ser assim, mas é.
— Pô, então eu, que namoro um cara bissexual, não faço parte do movimento?
— Não é bem assim, não estou dizendo que não pode, da mesma forma que você pode ser homem e feminista, mas... mas os babacas vão sempre dizer que "as mulheres é que têm que lutar pelas mulheres", "os gays é que tem que lutar pelos gays", e tal. E agora estão me dizendo que bissexual não existe.
— É bom que bissexual exista, senão eu vou estar sendo enganada pelos últimos sete meses.

— Vontadezinha de arranjar uma namorada e levar ela pra casa. Só pra chocar minha mãe. Ou pra provar que é de verdade.

— ...Olha, mãe, não é só que eu me sinto atraída por mulheres. Eu sonho com mulheres. Eu me apaixono por elas. Você ia ter problemas se eu saísse com mulheres?
— Ah, Ma, você pode sair com quem você quiser. Você é jovem. Você se apaixona fácil. Mas você traz seu namorado pra casa, ele vira da família. Já se você trouxesse uma menina pra casa, uma namorada, ia ser um pouco estranho. Não é a mesma coisa, sabe?
— Ia ser estranho se eu trouxesse uma namorada? Mas estranho do que quando meu irmão traz as namoradas dele?
— Ah, Ma... Sabe, a gente sempre acha que vai conseguir lidar com essas coisas... Mas recentemente uma amiga próxima de mim descobriu que a filha era lésbica, e aí ela descobriu que não é tão fácil assim de lidar. É difícil pra gente.
— Você está falando daquela cuja filha é evidentemente gay?
— Ah, lembra, isso é segredo, não pode contar pra ninguém!

— Mas como você descobriu que era bissexual?
— Bom, eu estava no colegial, aqula história toda... Um dia minha amiga veio falar comigo, e o seio dela raspou no meu braço. Eu senti, como se diz? como se fosse uma descarga elétrica pelo corpo. Eu continuava apaixonada por aquele menino, mas depois disso eu fiquei algum tempo só conseguindo pensar em peitos.
— E foi assim, de repente, então?
— Não, não de verdade. Eu tinha acreditado que bissexual não existia. Eu comecei a me apaixonar por mulheres, a sonhar com mulheres, mas eu continuei acreditando que era hétero. Eu queria experimentar pegar mulheres, mas eu não podia me considerar bi sem nunca ter pego uma mulher. Um dia eu fui numa festa e as amigas do meu amigo me chamaram de sapata, e eu fiquei super feliz. Aí ele corrigiu eles, e eu fiquei meio brava. Mas eu me considerava hétero no fundo, não tinha coragem de reclamar. Um dia eu peguei uma mulher numa festa, mas não senti tesão nenhum. Eu estava apaixonada por uma amiga minha, obcecada e sofrendo, mas eu era hétero. Eu contei isso para um amigo e ele disse que eu devia estar projetando alguma coisa nela... Porque eu era hétero, e estava tão feliz com meu namorado. Aí um dia eu consegui sair num date com uma menina por quem eu tinha uma paixão, e foi o melhor primeiro beijo da minha vida. E mesmo assim meus amigos diziam que eu era hétero e eu meio que acreditava neles, porque eu só tinha beijado mulher duas vezes, porque eu namorava caras, porque eu nunca tinha transado com uma mulher. Então eu peguei todas as mulheres que eu consegui, o mais e o melhor que eu pude, e eu passei uma festa inteira pegando uma menina linda. Meu amigo me zuou dizendo que quando eu ficava bêbada eu virava lésbica, e eu concordei inteiramente. Mas no final daquela festa eu peguei um rapaz gostoso e gostei tanto disso que de novo eu concluí que eu era hétero. Aí eu fiquei muito confusa, peguei várias mulheres, transei com mulheres, decidi fazer o look fanchinha para atrair mulheres nos bares, mas no fundo eu achava que gostava mais de ficar com homens, e apesar de eu querer muito ser bi eu ainda acreditava que eu era hétero, no fundo. Uma hétero que por algum motivo se apaixonava por mulheres de vez em quando, mas que gostava muito de homem. Mas hétero.
— E quando isso mudou?
— Não tenho certeza. Talvez tenha sido porque eu conheci outros bissexuais. Ou porque eu descobri mulheres de quem eu gostava mais e homens de quem eu gostava menos. Ou eu parei de me importar. Na verdade... acho que o que pegou foi quando eu estava com uma mulher, e eu percebi que eu estava curtindo, estava confortável e sabia o que eu estava fazendo. Eu não estava só experimentando. Não era mais uma coisa nova pra mim. Só era bom.

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